Traze-me

Traze-me um pouco do teu sorriso
Mesmo entristecido.
Traz-me teu abraço
Mesmo enfraquecido.
Traze-me...
Tua presença que mesmo silenciosa
Preenche todo meu vazio.

Planos para o futuro

Esse pedaço de papel reserva
Poucas linhas de um futuro pretendido;
Não são lá grandes planos
Nem sequer os tenho definidos,
Apenas sei que os tenho em algum lugar.

Ser melhor do que sou está incluído!
Fazer e realizar o que ainda não pude.
Surpreender aos poucos decepcionados
Fazer entendê-los e ampliar a visão, pois
Alguns acontecimentos fogem a racional compreensão.

Não quero e nem preciso das grandes coisas
Porém, sou do tamanho que pretendo
E me reservo a tudo o que é essencial,
Que minha alma agradece
E meu coração se engrandece.

Um carro? Uma casa? Um novo emprego...?
Amar mais e se doar mais ainda?
Abrir os braços e esperar...
O amor que me aguarda
Repousando no sofá da sala.

Disse que não eram grandes coisas
Mas, reforço, o essencial importa mais:
Amar, doar-se, curar-se, arriscar-se, feri-se...
Cair e recompor-se!
Desistir e persistir segundos depois.

Isso importa mais.

Mais uma

Amanheceu e permaneci escurecido
No peito a mesma esperança perdida
O mesmo tesouro enferrujado
Um punhado de ouro ensangüentado
Devaneios e tolerâncias de um amante enlouquecido.

Não é sequer um bilhete suicida
Um testamento rasurado com poesia
É somente o desabafo
De quem se esperou e perseguiu
O pote de ouro no final do arco-íris.

Em cada baú uma lembrança
Em cada carta uma despedida
No guarda-roupa saudade
Um quarto solitário e negro...
A cortina de flores murchas acinzentadas.

Amanheceu e eu anoiteci
Sentido a vontade de voltar
A ser pasto
Verme e micróbio
Voltar a ser frio e imóvel como pedra.

Escolha

Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas, prefiro
a dura liberdade.
Vôo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.

Opto pela loucura, com um grão
de realidade:
meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu
quero o delírio.

Lya Luft

Madrugada

Meu sono fluía com perfeição;
Sem pesadelos, sonhos e assombrações.
Como pedra a deleitar
O silêncio da madrugada morna.

Parece loucura ou devaneio,
Mas despertei atordoado procurando
Tua voz mansa que gritou
Rasgando o silêncio da noite com meu nome.

Seria sonho? Não!
Percebi que foi a tua falta.
Angustiado apenas pensei:
Foi a saudade batendo a minha porta!

E se fosse diferente?
Gritasse meu nome e aparecesse
Com tua luz e teu calor
Iluminando minha noite e aquecendo minha cama.

Que seja!

Amo-te, pois roubar-me do meu mundo
Sequestrou-me da minha própria vida
Agora, tenho a sua atrelada a minha
Linhas paralelas, movimentos sincronizados.

Sê assim o amor, que seja!
Entrego-me, desabo-me
Beijo-te e me perco
Olho-te e me reencontro.

Sê assim a paixão, que seja!
Com a intensidade de olhares
A pressa de viver e reviver
A ansiedade de tornar novo de novo.

Sim, que amor improvável...
Desconcertante, forte!
Mais forte que a força humana
Mais forte que a nossa capacidade de dizer não.

Mesma moeda

Disseram-me que o melhor de mim se perdeu
Foi deixado em qualquer rua sem nome,
Em qualquer casa sem endereço.
Errado, pois o melhor de mim ainda sou eu.

Não morri, tão pouco matei
Apenas escolhi!
Só não optei pela opção alheia
Mesmo assim ironiza, pisa e cospe.

Se intenciona afastar-me
Investe nas mesmas palavras.
Se o meu fracasso é o teu grande prazer...
É melhor esperar sentada.

Contradição

Torce pela derrota e pelo fracasso!
Não eras assim,
Nunca foste assim,
Mas tua incompreensão mudou
A cor do teu sorriso
E a mansidão da tua voz.

Desperto e vejo
Não os olhos de outrora, acolhedores.
Noto, agora, inquisição e julgamento;
Desprezo e repulsa!
Mas vos digo:
Pondera hoje, pois o seguinte é incerto.

Verdade?

Se a verdade se manifestasse 
E minha coragem impulsionasse o ato,
Não seria covarde, 
Não seria fraco, mas seria livre.

Talvez minhas verdades
Sejam de fato
Versões falseadas
Dessa verdade nunca dita.

Talvez, amor
Minha verdade não seja
Aquela que seus ouvidos querem ouvir,
E que seus olhos se recusam a perceber.

Somente

Ouso bocas que me condenam
Olhos que sentenciam meu atos
Cabe pena de morte ou perpétua?
Preciso de quantos advogados?

Farto da nossa hipocrisia
De tanta cautela e do excesso de moral
Farto do diverso julgamento...
Preciso que ousam apenas como estou!

Mudança

Já não vejo teus olhos há tempos
Busco às pressas no meu baú
Qualquer memória frágil... uma recordação
Um beijo, uma frase... uma canção.
E quando quase a esqueço
O céu noturno se encarrega de relembrar
Hoje há lua sob nossos corpos,
Mesmo sabendo que agora preferes
O nascer do sol a esse triste luar.

Sábado

Tu partirás hoje...
Não irás nem tão longe e nem tão perto
Mas suficiente para magoar minha saudade
Que já não se remenda e nem se cura.

Vais mesmo, amor?
Sei que serás outra
Habitarás outros céus e paraísos
Eu, apenas sentirei que perdi.

Tu recolherás os pedaços...
As estruturas que te quebrei
Os caminhos que te desviei
Levar-te-ão a outros universos.

Veja, minha princesa...
O derradeiro sábado
Que não é de aleluia e nem ressuscita
Mas, que se despede e entristece.

Tenso entardecer

Recordo-me agora
Da conversa no final de tarde
Tão pesada quanto uma tonelada
Tão dolorosa quanto a despedida.

Saí, então, com os olhos no chão
Tão vazio quanto o silêncio
Tão perdido quanto bússola quebrada
Vi-me só, sem presença de mim.

Abri o portão...
Não vi teu sorriso, tão pouco um riso
Fui-me despindo e pensando
Espalhei as roupas des-perfumadas de ti
Nesse quarto breu e solitário.

Resolvi banhar o corpo
Abri o chuveiro, água fria,
Chorei camuflando as lágrimas com a queda d'água
Abafei minhas lamúrias com o barulho de chuva
Por um minuto consegui esquecer de você.

...

Você é sempre tão cheia de Si, 
E Eu, contrariamente, 
Tão vazio de mim.

Aonde?...

Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?
O eco ao pé de mim segreda... desgraçada...
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda
Cantante como um rio banhado de luar.

Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E só a voz do eco à minha voz responde...

Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde... aonde... aonde?...

Florbela Espanca

Silentiu

Dediquei 
as 
melhores 
palavras, 
o meu melhor verso! 
E as tuas
vieram
apenas
com
o meu silêncio.

Veja

Por muito tempo, longo tempo...
Pensei que o amor fosse
Como a flor no meu quintal
Forte e linda, branda e corada.

Veja agora, minha menina,
Parece perder a cor e o perfume.
Veja agora, de tom empalidecida,
Se esvaindo pétala por pétala.

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida, 
Eu sou a que na vida não tem norte, 
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte 
Sou a crucificada ... a dolorida ... 

Sombra de névoa ténue e esvaecida, 
E que o destino amargo, triste e forte, 
Impele brutalmente para a morte! 
Alma de luto sempre incompreendida! ... 

Sou aquela que passa e ninguém vê ... 
Sou a que chamam triste sem o ser ... 
Sou a que chora sem saber porquê ... 

Sou talvez a visão que Alguém sonhou, 
Alguém que veio ao mundo pra me ver 
E que nunca na vida me encontrou!


Florbela Espanca

Parafraseando

"Só você para dar a minha vida a direção"
Para dar o tom a escuridão
Para dar a cor a noite de insônias
Para trazer sonho às horas de pesadelo.
Só você, simplesmente você...
Para encantar-me quando o desencanto parece
O único caminho e alternativa.

Unbreak

Estou partido, quebrado!
Parte de mim virou lembrança
A outra ainda é saudade:
Da tua boca na minha,
Da tua tua respiração ao meu ouvido
De sua voz silenciando o barulho.

Cacos perdidos, mínimos pedaços,
Nos cantos da minha memória,
Nas entrelinhas da poesia.
Até no silêncio dessa noite escura
Sob o céu de estrelas mortas e
Nas palavras gélidas e desconexas proferidas.

Vê? É o som da saudade!
Escuta? São os olhos emudecidos!
Dos passos que sempre escutados
Mas, nunca comemora-se a chegada.
Dos olhos marejados
Sem mãos para conter poucas lágrimas.

?

Você, mansa e sutil, sem jeito
Desconstrói e abala minhas raízes
Como uma estrela caída no quintal
Enfeita e ilumina, ofusca, queima e me enleia.

Deixo-a, então, repousar em meus sonhos
Modificar minha rotina
Perfumar e iluminar meu quarto escuro
Pergunto-me: por quanto tempo?

Entre o que está edificado ou o por construir
Pisar em terra firme ou nos estilhaços de vidro
Estar seguro ou me arriscar no imprevisto?
Entrego-me ou não a paixão do desconhecido?

Me perco?

Olhe-me nos olhos: percebe?
É amor que te pede passagem
É o amor que está se perdendo grão a grão.
Não há culpa, culpados, inquisidores ou leis
Simples e dolorosamente algo se perdendo no tempo.

Congelo tudo o que foi bom!
Aprendo com as lágrimas
Reafirmo sentimentos em novos sorrisos.
O amor e a matemática...
Tão inexata ao ponto de encontrar solução para tudo.

O amor é poesia
Sem regras, sem métrica, sem dono...
São palavras e ações por mim repetidas
Verbos sempre apreciados
Mas, deixados a mover pela força do dias.

A hora?

Ouso o compasso do relógio
Que raramente descansa
Que raramente perdoa
Que nunca retrocede
Que raramente enferruja.

Ao contrário do meu corpo
Que se quebra e se fratura;
O oposto do meu coração
Que amiúde se parte
E frequentemente se magoa.

Sinto o compasso...
Desse tempo louco, despretensioso
Que não envelhece, não descansa.
Sinto o peso das escolhas e dos dias
Que se vão e anoitecem sem você presente.

Nos Convém?

Sei, repetidas vezes...
Como uma canção em disco arranhado
Como ave-marias rezadas
Incansavelmente a deslizar pelos dedos
Que, o que nos convém é apenas a triste despedida.

Tudo posso, tudo quero...
É sofrimento,
É falta de paz,
Poesia anoitecida,
É quimera morta.

Tudo posso, tudo quero... 
É canção para poucos
É liberdade disfarçada 
É, senão, aventura noturna
De beijos e abraços no muro quintal.

Proposta

Sempre me faz propostas irrecusáveis
De viagens a qualquer lugar sob a tenda estelar
De certo, vejo-me refletido em teus olhos
Brilhantes olhos que refletem a máscara
Quase caída da minha face nua.

Os anos passados...
Vinte e poucos setembros e outubros
Já não voltam mais, apenas pó
Da lembrança quase adormecida,
Apenas sonho desse despertar matinal.

Vinte e poucos anos...
Poucas realizações, poucos projetos
Uma só vida para tantas poucas coisas
Uma só morte para tanta vida
E ainda hesito aceitar tua proposta.

...

Esses duros caminhos que nos levam a nada

Que corrompem toda força

Que exaurem toda fadiga

E que no derradeiro mistério

Apenas nos apontam a cruz.

Vácuo

Jogam-me pedras pela falta de fé
Mas, minhas rezas continuam mudas.
Meu rosário impuro,
Meu coração surdo 
E sua presença cada vez mais ausente.

Abro meu peito ao seu encontro.
Calo-me a voz para ouvir a sua
Escureço o quarto para sua luz.
É tarde e gélida a madruga
E tão fria a sua falta.

Talvez esse vazio eterno
Das canções que não são ouvidas,
E das bocas que raramente gesticulam
Sejam um duro reflexo
Do jardim morto e esquecido dentro de mim.

Manhã anoitecida

Cansado da mesma ladainha chorada
Das ideias que fingem convencer
Das bocas que cospem ordens
E dos teclados viciados no mesmo som.

Exausto das vozes distantes
Dos gestos de repúdio
Das inúmeras solicitações e cumprimentos
Sem sequer um agradecimento sucinto.

Secam-me as forças quando notado
Pelo tropeço, deslize e humanidade
Pelo fracasso, pela miudeza e pelo pecado
E raramente lembrado pelo êxito e pelo triunfo.

Recaio-me sobre a tristeza
Daquele girassol mumificado
Perdido, desnorteado, sem saber onde apontar
Ou direção que nasce o sol nessa manhã escurecida.