Mais uma

Amanheceu e permaneci escurecido
No peito a mesma esperança perdida
O mesmo tesouro enferrujado
Um punhado de ouro ensangüentado
Devaneios e tolerâncias de um amante enlouquecido.

Não é sequer um bilhete suicida
Um testamento rasurado com poesia
É somente o desabafo
De quem se esperou e perseguiu
O pote de ouro no final do arco-íris.

Em cada baú uma lembrança
Em cada carta uma despedida
No guarda-roupa saudade
Um quarto solitário e negro...
A cortina de flores murchas acinzentadas.

Amanheceu e eu anoiteci
Sentido a vontade de voltar
A ser pasto
Verme e micróbio
Voltar a ser frio e imóvel como pedra.

Escolha

Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas, prefiro
a dura liberdade.
Vôo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.

Opto pela loucura, com um grão
de realidade:
meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu
quero o delírio.

Lya Luft

Madrugada

Meu sono fluía com perfeição;
Sem pesadelos, sonhos e assombrações.
Como pedra a deleitar
O silêncio da madrugada morna.

Parece loucura ou devaneio,
Mas despertei atordoado procurando
Tua voz mansa que gritou
Rasgando o silêncio da noite com meu nome.

Seria sonho? Não!
Percebi que foi a tua falta.
Angustiado apenas pensei:
Foi a saudade batendo a minha porta!

E se fosse diferente?
Gritasse meu nome e aparecesse
Com tua luz e teu calor
Iluminando minha noite e aquecendo minha cama.

Que seja!

Amo-te, pois roubar-me do meu mundo
Sequestrou-me da minha própria vida
Agora, tenho a sua atrelada a minha
Linhas paralelas, movimentos sincronizados.

Sê assim o amor, que seja!
Entrego-me, desabo-me
Beijo-te e me perco
Olho-te e me reencontro.

Sê assim a paixão, que seja!
Com a intensidade de olhares
A pressa de viver e reviver
A ansiedade de tornar novo de novo.

Sim, que amor improvável...
Desconcertante, forte!
Mais forte que a força humana
Mais forte que a nossa capacidade de dizer não.